BREVE PASSEIO PELAS HQs: A ERA DE PRATA DOS QUADRINHOS – Fil Felix

Continuando com Breve Passeio Pelas HQs, uma série de artigos em que pretendo comentar as quatro principais eras da história das revistas em quadrinhos: a Era de Ouro (1938-1956), a Era de Prata (1956-1970), a Era de Bronze (1970-1984) e a Era Moderna (1985- atualmente). E no artigo desta quinzena falaremos sobre a Era de Prata!

Só recapitulando, as revistas em quadrinhos surgiram como uma evolução das tirinhas de jornal, inicialmente compilando essas mesmas tirinhas e mais tarde publicando conteúdo inédito e continuado.

Considera-se o lançamento de Action Comics #1 em 1938 (a revista de estreia do Superman) como o pontapé para o que seria chamado de Era de Ouro, período em que se consolidou o “gênero super-herói” com suas identidades secretas, uniformes coloridos e superpoderes, fazendo um enorme sucesso até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os heróis passaram a decair, dando lugar às histórias de terror e investigação.

O término da Era de Ouro é marcado pelo surgimento do Comics Code Authority em 1954, que censurava qualquer conteúdo considerado “inapropriado” e declarou o fim de muitas séries e editoras até 1956, quando o mercado volta a aquecer na chamada “Era de Prata”, ou também “Segunda Era Heroica”. Confira um pouco o que marcou esse período.

Showcase #4 e a Repaginação de Antigos Heróis (1956)

Assim como a Era de Ouro se inicia com o lançamento de Action Comics #1 pela DC, considera-se que a Era de Prata surgiu em 1956 com a revista Showcase, mais precisamente sua quarta edição, com a reinvenção do Flash por Robert Kanigher e Carmine Infantino.

Reinvenção? Como assim? Bom, o herói Flash já tinha sua revista própria desde 1940, e era a identidade secreta de Jay Garrick, o famoso Flash de “chapéu com asinha”. Em 1956 a DC decidiu criar um novo Flash: novo uniforme, nova identidade secreta e nova origem. Assim nasce Barry Alen, que veste o manto do Flash num mundo onde o Flash de Jay Garrick é apenas ficção. Essa repaginação se deve a diversos fatores, um deles é que apenas o Batman, Superman e a Mulher-Maravilha (considerada a Trindade da DC) ainda tinham suas revistas próprias publicadas, com a maior parte dos outros títulos de herói cancelados. E a Showcase, por ser uma antologia, possuía mais liberdade de lançar personagens novos ou antigos sem preocupação se venderia o suficiente para continuar, já que a cada edição teria conteúdo novo.

E nessa esteira de retomar os personagens da Era de Ouro, a DC viu a oportunidade de mostrá-los repaginados e atualizados para um novo mercado. A Showcase viria a lançar tanto a nova versão do Flash (Barry Alen) em 1956 quanto a do Lanterna Verde (Hal Jordan) em 1959 e também do Eléktron (Ray Palmer) em 1961, assim como os originais Rapina e Columba em 1968, antes de ser cancelada em 1970. Esse ressurgimento de antigos heróis e suas novas versões fez bastante sucesso, culminando também na reformulação da Sociedade da Justiça (de 1940) para a conhecida Liga da Justiça em The brave and the bold #28 (de 1960), reunindo seus personagens mais famosos.

Pra não confundir os leitores, a DC optou pela criação de universos paralelos ainda na década de 1960: assim, todos os heróis da Era de Ouro viviam na Terra 2, enquanto os da Era de Prata viviam na Terra 1, surgindo assim o “Multiverso”. E é importante frisar que o conceito de multiverso continua sendo muito utilizado até hoje, incluindo histórias que “cruzam” esses universos, como a também divisora de águas Crise nas infinitas terras de 1986 da DC, que comentaremos em outro artigo!

Também vale comentar que o Flash não foi o primeiro herói repaginado, mas foi um dos primeiros que realmente deu certo e abriu caminho pra muitos outros. E assim, a partir de 1956, o “gênero super-herói” voltava aos holofotes e chamou a atenção de outra editora: a Marvel Comics.

Fantastic Four #1 e Stan Lee (1961)

Com o novo sucesso dos heróis mascarados, a editora Marvel deu início à sua própria revitalização do gênero sob o comando do editor Stan Lee. A revista Fantastic Four era lançada em 1961 com o que viria a ser a “primeira família da Marvel”: o Quarteto Fantástico criado pelo próprio Lee e Jack Kirby; com uma abordagem bastante diferente de como a DC vinha tomando. O Quarteto era composto pelo Senhor Fantástico, a Mulher Invisível, o Tocha Humana e o Coisa, humanos que ganharam poderes devido à exposição de radiação, tendo que lidar com vários efeitos colaterais. Ben Grimm, o Coisa, foi o mais afetado por esses efeitos, tendo que conviver e se adaptar à sua nova forma pedregosa, mexendo com seus relacionamentos e auto-estima.

Com esse mesmo conceito de humanizar os heróis, a Marvel lançaria o Homem-Aranha e o Hulk em 1962 e os X-Men em 1963. Todos eles lidando com os problemas (e as responsabilidades) de se ter poderes e tentar viver a vida comum, como o Peter Parker enfrentando a falta dos pais, problemas financeiros e a rotina escolar, enquanto combate o crime como Homem-Aranha. Bruce Banner, o Hulk, também tinha que lidar com seu lado irracional e monstruoso quando se transformava no Gigante Esmeralda. Os X-Men, em particular, passaram a tratar temas como racismo, ódio e o preconceito contra a raça mutante, além de aceitação e crises da adolescência.

Essa diferença entre a Marvel e a DC ficaria mais evidente com o passar dos anos e é considerada importante até hoje. A DC, por exemplo, é conhecida por seus “heróis de legado”, que traz em si aquele herói épico, o deus entre os humanos, geralmente de maneira mais tradicional e conservadora, além de origens mais fantásticas e forasteiras como o Superman do planeta Krypton, a amazona Mulher-Maravilha ou o Batman da fictícia Gotham. Já a Marvel, por outro lado, sempre teve uma abordagem mais social, trazendo pessoas comuns que se tornam heróis, morando em cidades reais e trazendo dilemas reais, como desemprego, exclusão e marginalidade.

Os Muitos Fins da Era de Prata

Ao contrário da Era de Ouro, a Era de Prata dos quadrinhos não possui um fator tão definitivo como foi o Comics Code Authority, então seu fim rende alguns debates em relação à data exata, mas os estudiosos meio que definiram o ano de 1970 como o término desse período. Um dos motivos é o surgimento do interesse por histórias de espada e magia (sword and sorcery, em inglês) a partir da estreia de Conan em 1970, criado por Roy Thomas e Barry Windsor Smith, fazendo bastante sucesso e sendo publicado até 1993, rendendo 275 edições.

Jack Kirby também deixa a Marvel em 1970, indo trabalhar na DC. Ele, ao lado de Stan Lee, foi um dos responsáveis pelo sucesso e a criação de muitos personagens e histórias da própria Marvel. Outro ponto muito importante que marca o fim desse período é a morte da namorada do Homem-Aranha, a Gwen Stacy, que ocorre em meio à uma batalha contra o Duende Verde numa história de 1973. É nesse momento que os críticos consideram a “perda da inocência” das HQs de heróis, com os leitores sendo pegos de surpresa e lidando com a morte trágica de uma personagem.

Outros pontos importantes da Era de Prata dos Quadrinhos (1956-1970):

  • As revistas de horror e crime entraram em declínio durante o baque do Comics Code Authority, com as editoras precisando reinventar-se. A Harvey Comics, por exemplo, passou a publicar em meados dos anos 1950 muitos títulos licenciados de programas de TV para o público infantil, como Gasparzinho, o Fantasma Camarada, do qual a Harvey adquiriu os direitos em 1959, quando já publicava o personagem. Outras revistas como Riquinho e Brotoeja também surgiriam naquela década, continuando a ser publicadas durante toda a Era de Prata.
  • Seguindo o movimento da Pop Art, a série de TV Batman foi ao ar de 1966 a 1968, levando o herói de Gotham a enfrentar seus clássicos inimigos na televisão, com direito às onomatopeias como POW, BAM e tantas outras na telinha.
  • Ainda no “gênero de super-heróis”, a origem dos super-poderes passou a ser muito mais voltada à ficção científica que à magia ou ao misticismo. Acidentes nucleares, genética, radiação e experimentos científicos se tornaram protagonistas na criação de novos heróis e vilões.
  • Aqui no Brasil, Maurício de Sousa deu origem ao seu império em 1959 com a criação de tirinhas de Bidu e Franjinha, publicando nos anos seguintes personagens como a Mônica e o Cebolinha. A Turma da Mônica só ganharia sua revista em quadrinhos própria em 1970, e é publicada até hoje.

7 comentários em “BREVE PASSEIO PELAS HQs: A ERA DE PRATA DOS QUADRINHOS – Fil Felix

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  1. Nossa, Fil, viajei para a minha infância agora. Tudo bem que devo ter começado a ler gibi em 1982, por aí, mas eu pegava várias revistas antigas pra ler de uma amiguinha de escola (ou do pai dela que colecionava, melhor dizendo), adorava… Nunca parei pra pensar sobre essas diferenças de origem de poderes entre os heróis da Marvel e da DC, mas realmente… Mas pera, e o Thor? Onde ele se encaixa nisso? Ele é da Marvel, mas é um deus… Ah, e as HQs da Disney? Li muito também… E onde você encontra tanta informação sobre o tema? Tem referências pra indicar?

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    1. Oi, Bia! Obrigado pelo comentário!! O Thor surgiu no começo dos anos 1960 tbm, numa revista de ficção científica e fantasia da Marvel, uma tentativa de fugir um pouco dos deuses e mitologia grega que já eram famosos. Engraçado que há uma teoria interessante, dizendo que os X-Men (que já nascem mutantes) surgiram porque não sabiam mais o que inventar de origem para mais novos superpoderes kkkk Então o que melhor que um grupo de heróis que já nascem assim?

      As HQs da Disney eu adoro, também. Recentemente venho tentando acompanhar mais as publicações. No artigo anterior eu falei da revista do Tio Patinhas, mas a Disney tem muuuuito material, daria vários artigos.

      Na internet, eu recomendo muito os sites Comic Vine e Comic Book Resource como fonte, eles tem muito material. O Universo HQ daqui do Brasil tbm. Material impresso tem, mas é menor. Se gosta da Disney, conheça o https://inducks.org/, é simplesmente um projeto que cataloga tudo que já foi publicado ao redor do mundo com os personagens Disney!

      Curtido por 1 pessoa

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