À SOMBRA DAS FLORES DE UM BAOBÁ – Paula Giannini

“― ¿Y a dónde va uno cuando muere mamá? ― A las tierras de la memoria. En el recuerdo de los otros nos hacemos inmortales.” 

Lizardo Carvajal  

Vinte e quatro horas. Um dia. Um giro completo de nosso planeta em torno de si mesmo. Vinte e quatro horas, parece que foi tanto, tanto mais, ou, quem sabe, quase nada. Um piscar. Vinte e quatro horas e o tempo de não ter tempo roubando-nos na velocidade da luz o tempo de já não termos o tal do tempo, o tempo da gente. O tempo para ouvir as histórias uns dos outros, ouvir de verdade, olhar nos olhos, tomar um café com o outro, sei lá, o tempo para respirar entre as incontáveis lives, e Meets, e Zooms, e mensagens, e Whattsapps, e e-mails e mais lives e mais… A tecnologia é uma máquina do tempo a nos lançar, se não ao futuro, ao menos a um tempo estranho, o inexistente, aceleração de partículas, ou, quem sabe de memórias, atenções. Olhamos a tela, piscamos e, ― Olha! ―, acabou-se o tempo da gente. O dia. ― Como foi mesmo que ele passou assim, em um piscar? ― Como foi?  

Estamos sem tempo. 

Sofrendo todos de SPA (a síndrome do pensamento acelerado).  

Gastamos nossas horas tentando, de algum modo, mantermo-nos conectados ao outro, ao trabalho, à rotina, a nós mesmos, à normalidade de nossas vidas pregressas. Estamos em casa, coabitando em maior ou menor grau o estranhamento do isolamento, quem sabe, mais na intenção de proteger a quem amamos do que a nós mesmos da realidade na qual sobrevivemos desde março de 2020.  

Equilibrando-me aqui entre uma live e outra, reunião e outra – diga-se de passagem, longuíssimas e ansiosas verborragias dentro da tela, dentro de casa, arrumados da cintura para cima ― às vezes até passo perfume agarrando-me, mais uma vez, à tal normalidade ― que entrou por minha janela, a do computador mesmo, a poesia capaz de desacelerar o mundo, de tocar a alma, de lembrar que é na arte, e quase sempre nela que encontro o alento que me faz voltar ao eixo. A mim mesma.  

Malaika 

Com dramaturgia baseada no texto homônimo de Lizardo Carvajal o espetáculo virtual (e exibido em uma live) é algo que se pode definir POESIA (assim mesmo, com todas as letras maiúsculas). Poesia no texto que, construído para crianças, deixa claro o quanto perdem leitores que não se aventuram pela literatura dedicada ao público infanto-juvenil. Poesia visual, o teatro de sombras parece ter sido inventado pelos homens nas cavernas para ser exibido em filmes em outras cavernas futuras onde habitariam seus descendentes Sapiens. Poesia musical, a trilha sonora é doce para ser degustada com ou sem acompanhamento das imagens.  

O trabalho todo é uma delicadeza. 

Um convite para que o espectador pare, ouça, reflita, e, acima de tudo, se encante.  

Malaika é uma princesa africana, mas não é em torno de sua bela etnia que gira o texto, ou melhor, é também, mas de maneira sábia e sutil o autor constrói a trama levando o leitor a conhecer a beleza do conceito das árvores de nossas ancestralidades, passeando pela memória, pelo amor, e a morte, e a vida. A de todos nós.  

Teatro de Sombras 

Interessante notar como a tradicional e milenar arte do teatro de sombras, que muito provavelmente remonta às histórias contadas em tempos em torno de fogueiras, se adequa perfeitamente à tela, ao filme, ao apelo imagético de crianças (e adultos) acelerados do século XXI. Sonhar, afinal, não é privilégio de nossos antepassados. Graças por isso. É o passado e o presente se unindo em um círculo de vida, o Ouroboro da ancestralidade.  

O espetáculo, construído à distância, convence-me um pouco mais sobre algo que venho percebendo surgir aos poucos. Estamos, aos poucos, em plena pandemia, em pleno retrocesso cultural e político, avançando em direção ao novo, ao futuro, à reinvenção. Vivemos claramente a inauguração de uma nova escola nas artes, um hibridismo sem precedentes. Direção de atores, de música, de cena, tudo aconteceu e foi produzido através de reuniões virtuais (afinal, nem tudo é tão chato no reino da máquina-de-roubar-o-tempo), dialogando com a efervescência de iniciativas criativas que pipocam em todo o país (e no mundo). Espetáculos pelo Whattsapp, pelo Youtube, dramaturgias construídas ao vivo pelo Telegram, lançamento de livros pelo Facebook, livros interativos em HTML-5, livros-experiência pelo Instagram…  

Um viva aos novos tempos. 

À arte, à resistência.  

Ao ato de resistir e se reinventar. Como os baobás, que como conta em narração perfeita e tão senhora de si a atriz Geyisa Costa, escondem dos desavisados aquilo que possuem de mais bonito.  

“Los Baobabs son árboles que crecen al revés. Sus flores están bajo la Tierra.

Lo verdaderamente hermoso es difícil de ver…”    

Sinopse  

“Malaika é uma princesa sem reinos e sem súditos. Não ordena nada, e também ninguém lhe paga tributos.  Uma princesa de verdade. Pelo menos assim é para seus pais Nary e Komba, dois elefantes da savana. 

A vida dos elefantes na savana é cheia de perigos, bebedouros secos e temidos caçadores, mas também de fantásticos lagos e árvores sagradas, os baobás. Malaika anda no lombo de Komba, e tem muitas perguntas sobre a natureza e também preocupações sobre a morte de seu pai, que se aproxima. A imensa sabedoria de sua mãe Nary, e sua prodigiosa memória, serão a guia que permitirá à manada seguir adiante. 

A Companhia Karagozwk adapta para teatro de sombras a obra do conceituado autor colombiano Lizardo Carvajal, trazendo ao palco a atriz Geyisa Costa como protagonista e narradora.  

Pela primeira vez a produção é pensada para a linguagem virtual e a equipe de criação trabalha à distância. Diretor, atriz, compositor e criador das imagens de sombras usam a imaginação e muita criatividade em um processo de produção respeitando o distanciamento social, grande desafio dos tempos atuais. 

SERVIÇO:   

Texto –Lizardo Carvajal  

Dramaturgia e direção – Surian Barone   

Interpretação – Geyisa Costa e Marcelo Karagoz 

Trilha Sonora Original – Ulisses Galeto 

Quanto – EVENTO GRATUITO 

Quando – Em cartaz online 24 horas. 

Onde – YouTube da Cia Karagozwk  https://www.youtube.com/watch?v=6vfPDvLuxyQ 

Da Pesquisa  

“Em 1986 Marcello Andrade dos Santos estudou teatro de sombras no INSTITUTO DEL TEATRO DE SEVILLA – ESPANHA com o mestre Jean Pierre Lescot. 

A Companhia Karagozwk é citada desde 2009, pelo Dicionário do Teatro Brasileiro – Editora Perspectiva página 306 como referência no Brasil na prática desta arte. 

Em 2012, A Companhia Karagozwk obteve ótimo resultado de público e crítica com “BUANGA, a noiva da chuva” premiada com dois Troféus GRALHA AZUL de Melhor Direção Infantil para Marcello Andrade dos Santos e Melhor Trilha Sonora para Celso Piratta Loch. 

Representou o Brasil, com ALBERTO, O MENINO QUE QUERIA VOAR no X° Taller Internacional de Teatro de Títeres de Matanzas em CUBA- 2012. 

Em 2015 Ministrou Taller de Teatro de Sombras na Escuela Latino Americana del Arte de los Titeres em Tlaxcala México”. 

2 comentários em “À SOMBRA DAS FLORES DE UM BAOBÁ – Paula Giannini

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